terça-feira, 26 de maio de 2009

Segregação Urbana: o caso de Lages

A segregação sócio-espacial é um típico problema relacionado à diferenciação de classes sociais. Surge no ambiente urbano, estimulada por diferenças econômicas, sociais e culturais, fazendo com que grupos procurem se situar em locais diferenciados, com atribuições distintas na sociedade, com pouca interatividade. A exclusão de grupos se torna prejudicial à dinâmica urbana, pois inibe relações sociais e a qualidade de vida na cidade.

A formação de áreas de periferia pobre está intimamente ligada ao processo histórico do município. A organização da produção, as migrações, a disponibilidade de renda, dentre outros fatores, são condicionadas e condicionam os fatores envolvidos na evolução econômica, que são distintos de acordo com o intervalo de tempo histórico considerado. Portanto há necessidade de uma consolidação histórico-geográfica dos processos ocorridos para uma efetiva compreensão de sua formação sócio-espacial.

Há uma vasta literatura sobre o processo de segregação sócio-espacial nas grandes metrópoles, a formação de bairros excluídos, uns de classe social abastada e outros de espoliados, formação de favelas, prioridades do Estado direcionadas a elite econômica, enfim, algo que de fato é evidente em uma intensa aglomeração populacional. Agora, o que está em questão é o fato de Lages, não sendo uma metrópole, mas uma cidade polarizadora da região, apresentar ou não segregação sócio-espacial. Poderia se falar de população de excluídos em cidades com menor aglomeração urbana? Quem vive na cidade de Lages e quem sabe da sua história tem resposta afirmativa para as questões levantadas. Isto se dá porque a segregação não está prioritariamente ligada ao processo de aglomeração urbana, mas fortemente relacionada aos aspectos sócio-econômicos e culturais, ao longo de sua formação sócio-espacial. Mesmo não fazendo parte de uma região metropolitana, onde se encontram os casos mais intensos de segregação urbana, o fato de ser cidade pólo da Região Serrana, considerada, a partir de dados do IBGE, a de IDH mais baixo do Estado, Lages é uma cidade de atração de migrantes, sendo que estes são, em sua maioria, parte de uma população pobre que vieram de outras cidades ou áreas rurais próximas. Muitos procuram a periferia para a construção de suas residências, onde encontram terrenos relativamente mais baratos, porém, carentes de infra-estrutura. Esta forte presença de imigrantes, que trazem a memória de suas origens, faz com que estabeleçam redes sociais, se agrupando de acordo com laços de identidade, relativos aos costumes locais de onde vieram. Um dos períodos mais evidentes da importância da migração para a cidade foi logo após a década de 60, com a crise da atividade madeireira na região, onde vários trabalhadores procuraram a cidade como alternativa de trabalho.



Distribuição de renda média, até 1 salário mínimo, por bairros, na cidade de Lages. Ano 2000, dados do IBGE.


Mas no processo de segregação urbana em Lages, pode-se buscar sua gênese em épocas anteriores, mais precisamente durante o coronelismo, no final do século XIX, após a proclamação da República, quando os coronéis passam a exercer definitivamente formas de dominação social. Assim, “aceitava-se” a segregação a partir do momento que se difundia a ideologia de dominação. Desde a política dos coronéis, já há uma tendência ao domínio de grupos e a submissão de outros. Durante aquele período, os caboclos aceitavam ser submissos ao coronel em troca de pequenos favores. Nesta relação notava-se o enraizamento das formas de dominação. A sociedade passa a “aceitar” a dependência da elite e acreditar que seus atos eram bons e inevitáveis a relação, para o bem de toda a cidade.

Dessa maneira, as formas com que os caboclos serranos aceitavam a dominação dos coronéis, através do compadrio, e das relações mútuas de ajuda, obviamente estavam privilegiando e fortalecendo o poder dos coronéis. Esta relação transmitia-se também para o governo, onde os principais chefes de Estado eram proprietários de terras, que tinham grande domínio, não apenas ideológico, mas também econômico sobre a população.

Esta forma de relação entre os caboclos e os proprietários começa a sofrer modificações com o avanço da indústria madeireira. Neste período, destaca-se a importância de correntes de migrações, vindas do campo, de cidades próximas ou até de outros estados, como fator de aumento populacional do município e a formação de importantes redes sociais. Uma tendência forte da população é se aglomerar de acordo com grupos de semelhança cultural ou econômica. Os imigrantes que chegaram à cidade procuravam se agrupar de acordo com o tipo de atividade que exerciam ou de acordo com os locais de origem, se instalando preferencialmente nas principais vias que davam acesso a essas localidades. Vários bairros na cidade se formaram devido a agrupamentos de migrantes, que também, com o tempo, trouxeram parentes e amigos da cidade de onde vieram, contribuindo ainda mais para tipos de agrupamento.

Na dinâmica migratória para Lages, a fase referente ao auge da indústria madeireira se dá entre as décadas de 40 e 60 , onde revela a importância dos migrantes gaúchos e das migrações internas, nas quais os agregados e peões de fazendas conseguiam emprego nas serrarias, se instalando em áreas próximas a elas. Nesse período, os grupos se localizaram espacialmente na cidade de acordo com objetivos comuns. Os donos de madeireiras e aqueles que exerciam atividades de maior lucratividade, relacionadas à madeira, se estabeleceram em bairros com características semelhantes, que tivessem ou pudessem construir em conjunto a infra-estrutura que necessitavam para a reprodução dos seus interesses econômicos. Houve, por exemplo, o desenvolvimento do bairro Coral, que começava a rivalizar em importância com o centro da cidade. Por outro lado, os trabalhadores com menor renda se fixavam em locais de menor custo, desprovidos de infra-estrutura ou aproveitando a já existente.

Em grande contraste, a fase migratória seguinte acontece num outro contexto econômico. Migração atípica, num momento em que a araucária já não era suficiente para a economia do município, gerando uma crise principalmente devido à falta de matéria-prima e o término da construção de Brasília, que havia demando madeira da região em grande quantidade. Vários empresários se deslocaram para outras regiões brasileiras, muitos para o Norte, e como as madeireiras, sem matéria-prima, fecharam ou reduziram os postos de trabalho, os moradores das vilas e trabalhadores se deslocam para a cidade à procura de alternativa de trabalho. Grande parte destes trabalhadores veio a morar nas periferias da cidade, em localidades com terrenos mais baratos e fiscalização menos rígida. O alto índice de desemprego e a deficiente infra-estrutura urbana básica foram fatores importantes para transformar estas localidades em áreas de adensamento de pobreza, reforçando processos de segregação.

Com efeito, a população de baixa renda ainda sente fortemente o processo de marginalização que aconteceu durante a crise madeireira. A alternativa econômica, com atividades ligadas ao pinus, surgiu de forma modesta como recuperação da economia regional. Mesmo assim, o número de pessoas que cultivavam esta matéria-prima era restrito, sendo que adquiriram e ainda adquirem uma renda muito alta, muito além do restante dos trabalhadores que, em sua maioria, trabalham como assalariados. Junto a estes somam o grande contingente de desempregados ou trabalhadores do subemprego, que formam um conjunto de pessoas que residem nas periferias urbanas pobres.

Observando na cidade a distribuição e formação de bairros de famílias de classe alta e os bairros populares, conclui-se que há uma separação significativa entre eles. Os bairros da área central vão se reafirmando como áreas de infra-estrutura privilegiada, com terrenos caros, procurados pelas famílias de alta renda. Os descendentes destas famílias encontram uma estrutura já montada, não tem interesse em mudar de local. Nos bairros populares há a constante chegada de migrantes vindos de várias partes da região e estes, junto com os descendentes das famílias, são os responsáveis pelo seu crescimento, a ritmos acelerados, expandindo-se para a região limítrofe da cidade. A diferença entre o preço dos terrenos em áreas centrais e periféricas é cada vez maior, reforçando os limites entre centro e periferia, fortalecendo a fragmentação da cidade.





Exemplo de submoradias no Bairro Dom Daniel, em área do antigo lixão.







Exemplo de autoconstrução de submoradias no Bairro Morro Grande.






Córrego que recebe os rejeitos domésticos do Bairro Morro Grande, desaguando no Rio Caveiras.



REFERÊNCIAS:


CORRÊA, Roberto Lobato. A periferia urbana. GEOSUL, nº 2, ano 1, p. 70-77, Segundo Semestre, 1986.
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______. Região e Organização Espacial. 3ª.ed. São Paulo: Ática, 1990.

COSTA, Licurgo. O continente das Lagens: Sua Historia e Influencia no Sertão da Terra Firme. Florianopolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1982. v. 1 a 4.

PEIXER, Zilma Isabel. A cidade e seus tempos. O processo de constituição do espaço urbano em Lages. Lages: Editora UNIPLAC, 2002. 296p.

MUNARIM, Antonio; CALAZANS, Maria Julieta Costa; Universidade Federal de Santa Catarina. A praxis dos movimentos sociais na região de Lages. 1990. 307f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciencias da Educação.

SANTOS, M. Espaço e método. São Paulo: Ed. Nobel, 1985.
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______. Técnica-espaço-tempo. Globalização e meio-científico informacional. São Paulo: Hucitec, 1996.

VILLAÇA, Flávio. Espaço Intra-Urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel: FAPESP: Lincoln Institute, 2001.

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